O Talmude é uma das principais obras da tradição judaica, composta de discussões e interpretações da Torá (os cinco primeiros livros da Bíblia hebraica) feitas por rabinos ao longo de séculos. Ele é dividido em duas partes principais:
1. Mishná – uma compilação da lei oral judaica que foi escrita no século II d.C.
2. Guemará – comentários e análises dos ensinamentos da Mishná, compilados entre os séculos III e V d.C.
O Talmude existe em duas versões: o Talmude de Jerusalém e o Talmude da Babilônia, sendo este último o mais estudado e influente no judaísmo.
O Talmude cobre uma vasta gama de tópicos, incluindo leis civis e religiosas, ética, filosofia, história, e até medicina. Ele tem um formato de diálogos e debates entre os rabinos, com interpretações divergentes que fazem parte da própria riqueza da tradição judaica.
O Que o Talmude Diz Sobre Jesus
As referências a Jesus no Talmude são poucas e geralmente indiretas, e algumas dessas menções são controversas. No entanto, muitos estudiosos acreditam que certos textos do Talmude, em especial na Guemará, se referem a Jesus (denominado às vezes de forma codificada como Yeshu).
As menções a Jesus no Talmude foram interpretadas de diferentes maneiras ao longo dos séculos, tanto por estudiosos judeus quanto cristãos.
Jesus como um personagem histórico
Em algumas passagens, ele é descrito como um indivíduo que praticava feitiçaria e conduzia o povo de Israel ao erro. Essa visão contrasta fortemente com a narrativa cristã, onde Jesus é visto como o Messias e Salvador.
Execução de Jesus
Há uma possível referência à execução de Jesus, mas a descrição difere dos relatos dos Evangelhos. No Talmude, ele é mencionado como tendo sido “enforcado” na véspera da Páscoa judaica por práticas de “idolatria” e por “seduzir” o povo ao erro.
Controvérsia e censura
Devido às relações históricas entre judeus e cristãos, algumas dessas passagens foram censuradas ou alteradas ao longo dos séculos, especialmente na Idade Média, quando a Igreja Católica e as autoridades cristãs viam essas menções como blasfêmias.
Tensão Histórica e Teológica Entre o Judaísmo e o Cristianismo
As referências a Jesus no Talmude são escassas e de natureza polêmica, muitas vezes apresentando uma visão negativa. Elas refletem a tensão histórica e teológica entre o judaísmo rabínico e o cristianismo primitivo. No entanto, o foco do Talmude não é a vida de Jesus, mas as leis e tradições judaicas, e ele se concentra em questões internas ao judaísmo.
Essas passagens continuam sendo estudadas e debatidas, e a maneira como são interpretadas pode variar entre os estudiosos.
Jesus Foi Enforcado, Segundo o Talmude
No Talmude, há uma passagem que menciona que Jesus foi “enforcado” na véspera da Páscoa judaica. No entanto, essa descrição não corresponde diretamente ao relato dos Evangelhos, que afirmam que Jesus foi crucificado pelas autoridades romanas sob o governo de Pôncio Pilatos. No Talmude, a palavra “enforcado” (talui, em hebraico) é usada no sentido de “executado” e pode ser uma referência à crucificação, embora o termo específico seja diferente.
A passagem talmúdica relevante pode ser encontrada no Talmude Babilônico, no tratado Sanhedrin 43a, onde diz:
“Na véspera da Páscoa, Yeshu [Jesus] foi enforcado. Durante quarenta dias, antes da execução, um arauto foi enviado a anunciar: ‘Ele será apedrejado porque praticou feitiçaria e instigou o povo de Israel à apostasia. Quem souber algo em sua defesa, que venha e apresente a favor dele.’ Mas, como não havia defesa, ele foi enforcado na véspera da Páscoa.”
Quem Enforcou Jesus eram autoridades romanas ou os líderes judeus?
O texto talmúdico sugere que os líderes judeus estavam envolvidos no julgamento e execução de Jesus, sendo ele acusado de práticas como feitiçaria e desvio da fé judaica (apostasia). Contudo, de acordo com o direito romano na época, apenas os romanos tinham autoridade para realizar execuções formais, como a crucificação, que era uma punição típica usada pelos romanos para crimes de traição ou subversão política.
Os Evangelhos cristãos também relatam que os líderes judeus (o Sinédrio) acusaram Jesus de blasfêmia e o entregaram às autoridades romanas, que realizaram a crucificação. Portanto, o Talmude pode estar refletindo uma visão judaica interna, na qual os líderes judeus tiveram papel no julgamento e condenação de Jesus, mas a execução em si, conforme os relatos históricos e dos Evangelhos, foi feita pelos romanos, já que a crucificação era uma forma de execução romana.
Diferenças entre o Talmude e os Evangelhos
As diferenças nas fontes indicam como a figura de Jesus foi interpretada de maneiras diferentes por comunidades judaicas e cristãs ao longo da história.
Nos Evangelhos, Jesus é entregue aos romanos pelos líderes judeus, que o acusam de blasfêmia e de se proclamar o Messias. Pôncio Pilatos, o governador romano da Judéia, ordena sua crucificação.
No Talmude, ele é descrito como tendo sido “enforcado” pelos líderes judeus devido a acusações religiosas, incluindo feitiçaria e desvio de fé, sem menção explícita à participação romana.
O Talmude não entra em detalhes sobre a participação romana na execução de Jesus, focando mais nas acusações que teriam sido feitas pelos líderes judeus. Historicamente, sabemos que os romanos foram os responsáveis pela execução, enquanto o Talmude reflete uma perspectiva distinta, com ênfase nas razões religiosas que teriam levado os líderes judeus a condenar Jesus.
Afinal, Jesus foi Enforcado ou Crucificado?
A discrepância entre o relato do Talmude (que menciona enforcamento ou apedrejamento) e os relatos dos Evangelhos (que falam da crucificação de Jesus) levanta questões interessantes sobre as tradições religiosas e o desenvolvimento das narrativas. Existem algumas razões que podem explicar por que as duas versões diferem. É importante notar que a versão dos Evangelhos, que menciona a crucificação por autoridades romanas, é amplamente aceita por historiadores e é a base da crença cristã. Vamos explorar os possíveis motivos para essas diferenças:
Realidade histórica e o papel dos romanos
A crucificação era uma forma comum de execução usada pelo Império Romano para punir criminosos, especialmente aqueles que eram considerados uma ameaça à ordem pública ou ao Estado. Era uma punição extremamente brutal e humilhante, reservada muitas vezes para insurrectos, rebeldes e escravos.
Nos Evangelhos, Jesus é condenado à crucificação pelos romanos sob o governador Pôncio Pilatos, após ser acusado de subversão política por afirmar ser o “Rei dos Judeus”, um título que poderia ser interpretado como um desafio ao poder romano. Essa versão é amplamente corroborada por fontes históricas. Portanto, a crucificação como método de execução de Jesus reflete as práticas e as jurisdições da época.
No entanto, o Talmude foca mais nas tradições e nas acusações religiosas feitas pelos líderes judeus, como a feitiçaria e a apostasia. A menção de “enforcamento” ou apedrejamento pode refletir tradições judaicas de punição para crimes religiosos, mas essas execuções não eram permitidas pelos romanos sem sua autorização, o que torna mais plausível que a crucificação fosse a verdadeira forma de execução.
Teologia cristã e simbolismo da crucificação
Para os cristãos, a crucificação de Jesus tem um significado profundo. O ato de morrer na cruz se tornou central na teologia cristã por várias razões:
• Sacrifício redentor:
A morte de Jesus na cruz é vista como um sacrifício pelos pecados da humanidade, cumprindo profecias messiânicas e abrindo o caminho para a salvação.
• Identificação com o sofrimento humano:
A crucificação, por ser uma forma de morte extremamente dolorosa e humilhante, simboliza o sofrimento de Jesus em solidariedade com a humanidade.
• Símbolo de vitória sobre a morte:
A ressurreição de Jesus após sua crucificação é um ponto central da fé cristã, visto como a vitória definitiva sobre a morte e o pecado.
Essa centralidade da cruz na fé cristã sugere que não seria provável que os cristãos “mudassem” o método de execução para crucificação se não fosse historicamente verdadeiro. A crucificação tinha um profundo impacto teológico, sendo um símbolo do sacrifício e redenção oferecidos por Jesus.
Distinção entre tradições judaicas e cristãs
As tradições judaicas, representadas no Talmude, e as tradições cristãs, representadas nos Evangelhos, surgiram de contextos distintos. O Talmude reflete o pensamento rabínico e uma visão crítica sobre Jesus, enquanto os Evangelhos foram escritos por seguidores de Jesus e refletem sua interpretação teológica.
A versão do Talmude pode estar associada a uma perspectiva judaica que vê Jesus como um transgressor da fé judaica, justificando, portanto, uma execução de acordo com a lei judaica, que poderia incluir apedrejamento (para casos de blasfêmia ou idolatria) ou enforcamento. Essas práticas de execução eram tradicionais no judaísmo, mas o controle das execuções na época estava nas mãos dos romanos, que usavam crucificação.
O Talmude pode estar refletindo uma tentativa de reinterpretar o evento de uma perspectiva mais interna ao judaísmo, destacando a responsabilidade religiosa, enquanto o cristianismo tinha como foco o papel dos romanos na execução.
Possível censura e polêmica
Ao longo dos séculos, relações entre judeus e cristãos foram muitas vezes tensas, e há indícios de que certas passagens do Talmude foram alteradas ou censuradas para evitar tensões com as autoridades cristãs. Algumas menções a Jesus podem ter sido modificadas ou obscurecidas para evitar perseguições. No entanto, é difícil afirmar com certeza o quanto isso influenciou a forma como a execução de Jesus foi retratada.
A Hipótese de Jesus Ter Sido Crucificado é Mais Plausível
Dada a proximidade temporal e a coerência das fontes históricas romanas e cristãs que mencionam a crucificação, é razoável concluir que a versão cristã é mais plausível do ponto de vista histórico. A versão talmúdica, por ter sido escrita muito depois e em um contexto de confronto teológico com o cristianismo, reflete uma visão mais polêmica e menos confiável historicamente.
Datação e historicidade
A versão cristã da crucificação de Jesus foi registrada nos Evangelhos do Novo Testamento, escritos nas décadas seguintes à morte de Jesus, provavelmente entre os anos 60 e 100 d.C. Esses textos foram amplamente aceitos pelos primeiros seguidores de Jesus e são considerados por muitos estudiosos como as fontes históricas mais próximas da vida de Jesus. A crucificação pelos romanos é corroborada por várias fontes, tanto cristãs quanto não cristãs, como o historiador romano Tácito e o historiador judeu Flávio Josefo, ambos do século I d.C., que confirmam que Jesus foi crucificado sob Pôncio Pilatos  
| Christian Courier.
Por outro lado, o Talmude Babilônico, que contém as passagens mencionando Jesus, foi compilado entre os séculos V e VI d.C., ou seja, séculos após a morte de Jesus e a redação dos Evangelhos. Embora o Talmude reflita a tradição oral judaica, ele foi escrito em um contexto em que o cristianismo já havia se tornado uma religião distinta e dominante, o que pode ter influenciado como os rabinos trataram a figura de Jesus, muitas vezes de forma crítica e polêmica  .
Autoridade romana sobre execuções
Historicamente, a crucificação era uma forma de execução usada quase exclusivamente pelos romanos para punir crimes como traição e subversão política. Como a Judéia estava sob domínio romano na época de Jesus, apenas as autoridades romanas tinham o poder de realizar execuções. Os líderes judeus, embora tivessem alguma autonomia religiosa, não tinham autoridade para executar alguém sem a aprovação romana. Isso torna a crucificação a explicação mais provável, já que a narrativa cristã reflete o papel das autoridades romanas no processo 
| Christian Courier .
Contexto tardio do Talmude
As passagens do Talmude que mencionam Jesus, como a que fala de um “enforcamento” na véspera da Páscoa, refletem uma perspectiva diferente e mais hostil sobre Jesus. Estas passagens podem ter sido escritas em resposta à crescente influência do cristianismo, que na época do Talmude já era a religião oficial do Império Romano. Há evidências de que algumas dessas referências foram alteradas ou censuradas ao longo do tempo devido a pressões externas  .
Referências Bibliográficas
Jews for Judaism: Este site explica como o nome “Yeshu”, frequentemente mencionado no Talmude, é tradicionalmente associado a Jesus. No entanto, muitos estudiosos apontam que há confusão com personagens históricos diferentes, como Ben Stada, que pode ter sido confundido com Jesus em algumas passagens talmúdicas. Mais informações aqui.
Christian Courier: Esta página discute as implicações teológicas e jurídicas da morte de Jesus, explicando a diferença entre a narrativa cristã da crucificação e as interpretações talmúdicas que mencionam o apedrejamento ou enforcamento. O artigo também discute a legalidade da execução sob o domínio romano, que apenas permitia execuções através da crucificação. Leia mais.
Peter Schäfer – Jesus in the Talmud: O livro de Peter Schäfer explora profundamente as referências a Jesus no Talmude e como os rabinos usaram essas histórias para reafirmar a superioridade do judaísmo sobre o cristianismo. Schäfer também aborda a familiaridade dos rabinos com os evangelhos cristãos, o que influencia como retratam Jesus.
Cambridge University Press – O Talmude Babilônico sobre a Execução de Jesus(2009). Leia.
Israel Institute of Biblical Studies – Jesus no Talmude (peter Schafer, Universidade de Princeton, agosto de 2012). Mais Informações.
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